18 de maio de 2021

Uma mulher no vocal d 'A Chave do Sol. Conheça a "fase" Verônica Luhr!



“Foi engraçado, mas também bonito ver esse crescimento da banda de forma muito intensa. Parece incrível, mas diante de tantas fases que A Chave do Sol teve, essa foi uma das que mais curti, exatamente pela profunda esperança que sentia quando esse quarteto se fechou com a entrada da Verônica”.
 

(Luiz Domingues em sua comunidade no orkut).

O título de nosso post com certeza irá chocar muitos, mas sim, A CHAVE DO SOL teve uma mulher como vocalista. Ainda que a "fase Verônica" tenha durado menos de um ano, do fim de 1982 ao começo de 1983, os registros desse momento foram totalmente disponibilizados recentemente na internet. O texto a seguir foi escrito pelo baixista Luiz Domingues em forma de relato, mediante a perguntas realizadas por MARINHO ROCKER  e MARCÃO no orkut e copilado por Willba Dissidente. Posteriormente (entre junho e julho de 2014), novos fatos e fotos foram adicionados de acordo com a autobiografia de Luiz Domingues.

Este post também integra nosso esforço em traçar uma biografia da banda de maneira análoga a que os professores hoje lecionam História: por pontos específicos e não seguindo a linha temporal; por isso já escrevi sobre os anos sem nenhum membro oficial, A CHAVE sem sol, e agora abordo os primórdios da banda. Aproveite a viagem e ouça  a música ao final!

A Era Verônica Luhr: a Diva dos Olhos Azuis.
OUTUBRO/1982 À ABRIL/1983.



Estávamos em Outubro de 1982, e o guitarrista Rubens Gióia lançou a idéia de que A CHAVE DO SOL precisava de um  frontman. Ele então se lembrou de uma garota que ele havia visto cantando de forma amadora entre 1978 e 1980. No que pese a baixa qualidade do equipamento e o clima "de brincadeira", fortuito, da ocasião, Rubens convenceu os demais membros a fazerem uma audição com essa moça, que dizia ele "impressionava pela beleza física e a fantástica voz".  Loira, olhos azuis, media mais de 1,80 e trabalhava como modelo do estilista Ney Galvão (à época rival de Clodovil). Quando então a garota começou a cantar, ganhou a vaga: "tinha uma voz incrível, lembrando ETTA JAMES, MAGGIE BELL e TINA TURNER"!


Verônica Luhr com A CHAVE DO SOL no Victoria Pub.

Ela se chamava Verônica Luhr. Era uma moça simples e bem agradável no tato social. "De certa forma, seguia a cartilha da maioria das meninas que ingressam nessa carreira de modelo, ou seja, vem de famílias simples dos estados do Sul, principalmente Santa Catarina e Rio Grande do Sul e são descendentes de italianos, alemães ou de pessoas de países do leste europeu", conta Luiz Domingues.




"Lembro-me que o fizemos de forma artesanal e o copiamos mediante xerox. Ele ficou tosco, grotesco mesmo. Vendo-o hoje em dia, parece algo deliberadamente feito daquela forma, dando-lhe aura  'cool' mas na verdade, era um horror feito nas coxas e de forma muito apressada para suprir a necessidade premente que tínhamos".


Vale ressaltar que nesta época A CHAVE DO SOL ainda tinha um set-list basicamente de covers do Rock 'n' Roll. Já existia material próprio, que continuava a ser composto.  Por isso não importou que o inglês de Verônica ainda fosse "macarrônico" na ocasião. Não obstante , a banda incluiu "Proud Mary" (CREEDENCE) e "Acid Queen" (THE WHO), ambas na versão TINA TURNER, para que a moça soltasse a voz. Verônica tinha uma afinação excelente, porém nenhuma noção musical, era um talento bruto. "Arranjos, tonalidade, andamento", disso ela nada entendia. Porém, dando-lhe o acorde certo, ela cantava direitinho. Nas palavras do baixista: o vozeirão natural e bom ouvido eram suas melhores características". Como definiu mais tarde, "havíamos encontrado uma jóia rara, ainda que bruta, a carecer apenas de lapidação".

“Começou um boca-a-boca na rua, de que havia uma banda muito louca no Devil's, com um guitarrista que tocava JIMI HENDRIX imitando a performance de tocar nas costas e com os dentes do Hendrix; Um baixista alucinado que tocava com um chapéu pontudo de bruxo e uma vocalista incrivél que cantava muito com uma performance de palco muito animada...".

O show inicial da nova fase, em 20/11/1982, foi no colégio Manuel de Paiva. A irmã do Rubens, Rosana Gióia, estava junto fazendo os backing vocals. Foi um sucesso. Duzentas e cinquenta pessoas prestigiaram a apresentação, que teve uivos, aplausos e assédio no camarim, sendo a primeira vez que o grupo se apresentou "para uma platéia que não fosse exclusivamente de parentes e amigos". Mais e mais shows foram pintando: "Verônica assumiria uma importância tão grande na banda, que por conta de sua entrada, portas importantes se abririam logo a seguir, conforme esclarecerei logo mais", declarou o baixista no orkut.


Nota no Jornal  Folha da Tarde sobre show no Devil's Bar em 1982.

Nesta época, o circuito roqueiro precorrido pela A CHAVE DO SOL era o Deixa Falar, Água Benta Bar e novíssima casa Devil's, de propriedade de Dona Sabine, na 13 de Maio (Bexiga). Lá a banda fez uma temporada logo após a apresentação no colégio. Esse foi o período mais divertido dessa fase, em princípios de 1983.  Além das dificuldades técnicas, a Verônica apresentava outro empecilho, este mais grave: nervosismo antes de entrar no palco. Para criar aquela coragem extra na hora de subir no palco, ela forçava a extroversão, o que levava à situações recordadas pelo baixista: "em meio ao seu imprevisível arsenal de encenações improvisadas, lembro-me em ouvi-la a falar coisas inusitadas, criar uma linha gestual exótica e assim, a reação do público era de frenesi". Uma outra vez, após um movimento brusco, ela tropeçou e caiu no palco, se levantando rapidamente com o público acreditando ser parte do show. Porém Verônica não era a única elétrica no palco, já que A CHAVE DO SOL, nunca foi uma banda de ficar parada: Rubens tinha seus momentos hendrixianos, Luiz e Zé Luis extrapolavam no mise-en-scené, sem prejuízo à performance.



"O chapéu foi algo totalmente improvisado. Eu achei-o no quarto de despejo da casa do Rubens, enquanto o arrumávamos para se tornar a nossa sala de ensaios. Devia ser uma peça de alguma festa de fantasia que nem o Rubens se lembrava. Pedi para usá-lo de brincadeira e ficou legal, me lembrava o Ritchie Blackmore naquele promo do DEEP PURPLE...".
O baixista também relembrou que "eram comuns os gracejos masculinos (dirigidos à cantora), mas não podíamos evitar essas reações. O Rubens que era mais esquentado, esboçava reagir, mas para não estragar as apresentações, se continha em seu ímpeto protetor". 

Algumas vezes, rapazes mais ousados saiam de suas mesas para ficar mais perto do palco e da vocalista. Uma única vez um deles tentou escalar o palco de mais de dois metros para estar perto da cantora. Na ocasião, Wagner "Sabbath", amigo que acompanhava a banda e será devidamente abordado no futuro, impediu o homem em seu intento abusivo.


 O último show daquele ano de 1982 foi a festa de Reivellon na casa do guitarrista Rubens Gióia; o qual foi mais importante no futuro do que na sua realização. No dia seguinte, o primeiro de 1983, o grupo se apresentou no Café Palheta's, num show de igual importância arqueológica para o futuro.


 Folha de São Paulo Show Água Benta 6 de janeiro de 1983.

As coisas iam de vento em popa, e A CHAVE DO SOL começou 1983 fechando uma temporada de dois meses no Victória Pub. Nesta casa, se apresentaram promissores nomes da emergente cena rock nacional, inclusive os cariocas do HERVA DOCE (de quem esse que vos escreve é fã), que á época haviam feito a abertura do show do KISS no Rio de Janeiro.  Na primeira noite, nossos amigos tocaram no palco secundário, mas depois passaram a dividir a gig principal com o TUTTI-FRUTTI ou com o FICKLE PICKLE, dependendo da escala da noite. Tudo estava perfeito e promissor, não?

Passagem de som do último show no Victoria Pub, no qual Verônica não pode tocar por estar resfriada.

O cachê era extremamente alto se comparado ao que o grupo estava acostumado até então. Logo na primeira reunião do contrato, um dos gerente da casa os passou o regulamento do estabelecimento , horário de entrada para a passagem de som, horário de show e os advertiu sobre o cuidado em não falar "palavrões" ao microfone... além de pedir para A CHAVE DO SOL se trajar o menos riponga possível, "ainda bem que não pediu para cortarmos os cabelos", ri o baixista ao relembrar o episódio. Outra imposição,  repertório tinha que conter alguns covers conhecidos e não só música autoral, além de que o volume não poderia ser excessivo. A pior de todas restrições era a clausula de exclusividade. A CHAVE DO SOL, enquanto durasse o contrato, estava proibida de agendar shows em outros lugares de São Paulo. Aparentemente, isso não era tão problemático assim; porém quando o contrato não foi renovado, como veremos à seguir, isso geraria perda dos antigos contatos.





Interior e público no Victoria Pub (Alameda Lorena, 1604, São Paulo/SP). 1982 / 1983.

Não obstante tantas proibições, a banda estava mais que feliz pela vitória que era se apresentar no Victoria aquela época. Músicos famosos, modelos, atores consagrados da TV, gente de Teatro e Cinema etc iam regularmente às noitadas no Victoria.  O público era mais playboy do que rocker. Mesmo que demonstrando grande desinteresse pelos grupos, inclusive pelo TUTTI-FRUTTI (que nesta fase fazia mais covers que sons autorais), sempre dançavam e aplaudiam as bandas, gerando bem-estar nas apresentações.




A CHAVE DO SOL se apresentava nas noites de terça e quinta-feira. Os shows de grandes bandas do emergente "movimento Rock BR", como BARÃO VERMELHO,  KID ABELHA e outras, aos sábados e sextas-feiras. O power trio paulista nunca assistiu apresentação dos mainstream, porém esperava que a proximidade com os nomes badalados, como que por osmose, acabasse por ajudar a alavancar a carreira d' A CHAVE DO SOL. Os músicos foram assediados por um dito produtor de "New Wave", que sugeriu que além de cortarem as madeixas, Rubens e Luiz pintassem cada um o cabelo de uma cor. 

Em relação ao FICKLE PICKLE, este grupo tinha em sua formação os futuros GOLPE DE ESTADO Nelson Brito e Paulo Zinner. Logo formou-se um forte vinculo entre os membros das duas bandas. Muitos discos do GOLPE DE ESTADO tem agradecimentos a Luiz Domingues no encarte, pela ajuda e auxílio deste à banda. Porém, no primeiro contato foi o baixista Nelson Brito que ajudou Domingues. "O fato é que eu estava sem amplificador nessa época e usei o aparelho do Nelson nessas apresentações no Victoria (...)  mal havia me conhecido e disponibilizou seu equipamento, numa gentileza que selou nossa amizade, de forma instantânea".



Fachada do Victoria Pub. Por volta de 1982, 1983. Fonte: Internet livre.

Ainda que estivessem proibidos de se apresentar fora do Victoria, A CHAVE DO SOL tocou, dentro da casa noturna, numa festa particular da Rede Globo. Tratava-se da comemoração pelo encerramento da mini série "Bandidos da Falange". Do programa, que abordava o submundo do crime no Rio de Janeiro", estavam presentes toda a equipe técnica, diretores e atores. Gente como Betty Faria, Roberto Bonfim, Gracindo Júnior e Júlia Lemmertz se esbaldaram e dançaram ao som d' A CHAVE DO SOL.

Pouco antes do final da temporada d' A CHAVE DO SOL no Victoria Pub, houve um acidente no palco durante a canção "O Contrário de Nada é Nada", d'OS MUTANTES e por descuido do baixista que se movia de maneira desarticulada enquanto tocava, a vocalista, infelizmente, foi acertada pela mão (headstoke) do instrumento de quatro cordas. O grupo continuou tocando e só após o fim do show o mesmo pode se desculpar. Felizmente, o acidente que poderia ter sido grave, não teve consequências.





Ao final da temporada de show no Victoria Pub, a cantora os informou que havia recebido a proposta de gravar um disco solo com contrato com uma gravadora major, sendo acompanhada por uma banda contratada.  Devemos lembrar que Nelson Brito e Paulo Zinner, novamente, à época no FICKLE PICKLE, foram empresariados nessa época por um produtor que conheceram no Victoria Pub e inclusive lançaram um disco de New Wave, o PEPINO IRRITADIÇO. Verônica então decidiu abandonar A CHAVE DO SOL e seguir carreira solo sendo a protagonista de sua própria banda. "Ela sonhou com a possibilidade de ascensão e devo acrescentar que foi uma aspiração legítima de sua parte, portanto, nesse aspecto não caberia questionamento da nossa parte", garante o baixista.

“Sendo assim, quando acabou o contrato com o Victoria, ela saiu da A Chave do Sol e nós ficamos sem perspectivas imediatas, pois todo o embalo maravilhoso que havíamos pego desde outubro de 1982, foi para o ralo, pois estávamos sem outras datas e tendo que procurar às pressas um novo vocalista ou voltarmos ao formato de Power Trio, tendo que reestruturar todo o repertório para o Rubens ou o Zé Luis cantarem. Isso sem contar o prejuízo em perder uma vocalista do potencial sensacional que ela tinha. Se tivéssemos prosseguido e com a sorte de arrumarmos um produtor...”


A cantora estava resfriada e não compareceu no último show, forçando A CHAVE DO SOL a improvisar o repertório. O grupo ainda teve a desagradável notícia que seu contrato no Victoria Pub não seria renovado. Estávamos em abril de 1983 e A CHAVE DO SOL entrava em sua primeira curva descendente. Viriam três meses de aspereza pela frente, antes que altos da banda voltassem a sobrepujar os baixos...

Rubens arrasando nos trejeitos hendrixianos no Victoria Pub em começo de 1983.

"Não acompanhei se ela realmente gravou na época ou logo depois disso, infelizmente. Tomara que sim", afirma Luiz Domingues. Ele continua, afirmando que só em 1991 que ele foi ter outra informação da Verônica: "a vi no programa do Clodovil, na TV Gazeta, se apresentando acompanhada de uma orquestra, no teatro de arame de Curitiba. Era um tema "...com um arranjo bem conservador, mas mesmo assim, ela cantou muito bem, naturalmente e eu fiquei feliz por vê-la a atuar".

Foram períodos difíceis quando a vocalista se desligou do grupo e com isso os tirou de uma das melhores casas de show da época. Mágoas, ressentimentos ou similares? Não. "Ela comunicou-nos a sua decisão de uma forma decidida, certamente estava convicta de sua escolha. Tudo bem, foi uma aposta válida de sua parte", o baixista não receia em dizer. Luiz, ainda pondera e não poupa elogios à cantora de vida curta em sua banda, confira abaixo:

"A Verônica esmagaria impiedosamente cantoras dessa cena que estouraram, como Paula Toller, Virginie e Dulce Quental entre outras e só encontraria uma rival à altura na Cássia Eller. Por outro lado, estávamos em 1982 e a Cássia só estourou no meio/fim dos anos noventa, portanto, era outra geração".




No Victoria Pub, A CHAVE DO SOL tocou nos dias 1º, 2, 3, 9, 10, 17 e 23 de fevereiro de 1983, com públicos respectivos de 70, 120, 150, 200, 300, 170 e 250 pessoas ("nos assistindo, mas não refletindo o número de pessoas dentro da casa, pois eram muitos os ambientes e as pessoas se espalhavam"). Em março de 1983, tocamos nos dias 2, 9, 10, 15, 22 e 29, com público respectivo de 200, 250, 200, 300, 20 e 15 pessoas nos assistindo. O derradeiro show, ocorreu em 6 de abril de 1983, sem a presença da Verônica Luhr, com melancólico público de apenas 10 pessoas na plateia.

Encerrando este capítulo,  existem duas versões da mesmas gravações d' A CHAVE DO SOL  com Verônica Luhr nos vocais. Primeiro em 2012, o site Orra Meu conseguiu vencer essa batalha contra a "Deterioração temporal do K-7", possibilitando aos fãs poderem ouvir a Verônica ao ler a impressionante passagem dela pela A CHAVE DO SOL.



A gravação da mesma se deu de maneira inusitada. No show de 31/12/1982,  de última hora, Rubens pegou uma fita gravada no seu carro. Espetou-se então um tape-deck caseiro na mesa do P.A. Gianinni com a referida fita K7. Do lado A gravou-se esse show, do lado B, o do Café Palheta's do dia seguinte. Com muita microfonia e sem possibilidade posterior de edição, o K7 ficou guardado por 30 anos, gerando muito trabalho para ser recuperado. 





Só no segundo semestre de  2020 que registros completos com a vocalista Verônica Luhr foram disponibilizados. Trata-se do primeiro volume dos bootlegs, chamado "Ao Vivo 1982 - 1983". Tal lançamento faz parte da série de seis discos piratas oficiais lançados pelo baixista Luiz Domingues. Neste CD as músicas estão completas e com qualidade muito superiores que as disponibilizadas em 2012.





 "(...) o fato é que ela cantava como uma Diva do Soul, Blues e Rock'n' Roll. Se ela tivesse permanecido na formação da nossa banda e se assim nós tivéssemos tido a chance de encontrarmo-nos com um produtor de porte em 1983, quando o BR-Rock 80's explodiu definitivamente na mídia mainstream, teríamos certamente chegado ao estrelato...".

Luiz Domingues.

Voltando ao começo de 1983, três meses de dificuldades se seguiram. Aguarde nosso próximo capítulo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário