Acompanhe como o anonimato d' A CHAVE DO SOL acabou em 16 de julho de 1983.
Esse texto é um condensado dos capítulos cincos e seis da autobiografia na música, seção A CHAVE DO SOL, do baixista Luiz Domingues.
FILHO, NÃO FAÇA TANTAS CARETAS QUANDO TOCAR NA TEVÊ: A Chave do Sol na Fábrica do Som.
De modo amplo, quando se fala em "Fábrica do Som", o povo já lembra de TITÃS, BARÃO VERMELHO, IRA! e outros nomes que estouraram na mídia cunhando o Rock BR nos anos oitenta. Não obstante, outros conjuntos que não os midiáticos também fizeram participações no programa. Ainda que de caráter educativo, a rede Cultura, que é estatal, cravava quatro pontos de audiência nas tardes de sábado. "Talvez", just maybe, A CHAVE DO SOL tenha sido a banda mais presente no programa.
"Apesar do programa ser o berço de inúmeras bandas de estética 'moderna', oriundas do pós-punk, e derivados dessa tendência, o público era em essência formado por hippies anacrônicos, seguidores de Raul Seixas etc. Dessa forma, o nosso som caía como uma luva, pois tocávamos na contramão da estética vigente, e sua ruindade musical inerente e indecente...".
LUIZ DOMINGUES.
Gravados às terças-feiras no Teatro do Sesc Pompéia, Z/N de São Paulo, a entrada era gratuita. Se cabiam confortavelmente 800 pessoas nas dependências da casa, em dias de gravação acumulavam-se 1500 fãs e mais gente do lado de fora querendo entrar. Muito infelizmente, muitas vezes a Policia Militar era chamada para impedir tumultos. Esse era o lado de fora do Teatro, pois dentro a confusão era análoga. Eram funcionários, do Sesc, da TV Cultura, os técnicos de PA e inúmeros músicos em vai e vem com instrumentos e equipamentos diversos. Foi nesse pandemônio que A CHAVE DO SOL brilhou pela primeira vez no programa, gravando em em 12/07/1983.
A PRIMEIRA APRESENTAÇÃO.
E essa mesma platéia barulhenta que abraçou A CHAVE DO SOL em todas as apresentações, desde a primeira. Além das mais de mil pessoas que os assistiam in loco, haviam incontáveis outros os acompanhando pela televisão; além de olheiros de gravadoras, executivos musicais e a cúpula da TV Cultura. À principio, o grupo teve alguma indisposição com os técnicos de som, pelo guitarrista Rubens Gióia querer usar seu amplificador Music Man ao invés do Palmer e Zé Luis não abrir mão de sua Tama em detrimento da Gope que a produção dispunha. Passado esse perreio, todo o contato com a produção foi tranquilo.
Nota na Folha de SP |
Expectativa no ar, desânimo nos técnicos, mas logo o amplificador Music Man foi montado e A CHAVE DO SOL mandou ver com "Utopia". De largada com palmas tímidas sendo substituídas pelo pessoal dançando, fazendo air guitar, enfim, aproveitando o som. A CHAVE DO SOL, em seu som carismático animou aquela galera. Em breve, ela seriam conquistada de verdade.
Ao fim desse rock, apresentador Tadeu falava com a platéia rapidamente e logo anunciou outra canção. Nesse ínterim, alguém na platéia "xingava" o Domingues de "lagartixa". O mesmo, sem bronzeado algum, estava descamisado trajando macacão de jardineiro e lenço amarrado no pescoço. Felizmente, foi só um chiste e não se tornou viral comprometendo o espetáculo.
Os produtores se sentiram desconfortáveis com a música seguinte, "Crisis Maya", pois essa tem quase o dobro de duração dos três minutos esperados por eles! A platéia ficou impressionada com esse tema jazzistico, cheio de desenhos individuais e nem a leve desafinada na Fender Stratocaster de Gióia - pelo uso "abusivo" da alavanca - atrapalhou. Enquanto Rubens afinava, após a música, o conjunto foi entrevistado pela apresentadora programas infantis Silvana Teixeira, que eles haviam encontrado um pouco antes usando o banheiro do camarim deles. Ainda que o líder fosse o baixista Luiz Domingues, a moça foi levada a crer que 'quem canta é quem manda', indo entrevistar o baterista Zé Luis.
"Vi gente pulando, como se estivesse numa arquibancada de estádio, comemorando um gol. Foi uma explosão incrível de euforia, que extrapolava a mais otimista previsão que poderíamos ter feito".
LUIZ DOMINGUES.
Então, veio a melhor performance da noite, e a canção mais longa, a única que foi ao ar. Luiz iniciou o riff no baixo para seus parceiros entrosados e tão tranquilos quanto para prosseguirem a canção. As reações da platéia foram em crescendo, passando pelo solo de baixo em que nosso mestre das quatro cordas fez inúmeras caretas, trejeitos e entrou na onda do camera-man proporcionando enquadramento nada usuais, mas muito apreciados. Chegou o solo de bateria, e numa platéia que começou sem saber o que ia ver estava no máximo de empolgação. Rubens, o que toca "mais parado do trio", tinha a seu favor seus malabarismos à la JIMI HENDRIX que arrancaram muitos aplausos.
E o público pediu "bis"! Claro que tal não seria possível e logo o grupo foi levado pela produção ao camarim, onde além de calorosa recepção cederam uma entrevista à radio Cultura AM. Foram feitas as perguntas de praxe a um artista desconhecido incluindo as perspectivas da gravação de um disco...
O grupo deixou as dependências do Sesc Pompeia bem animado. Nada mal para uma noite de terça-feira, hein? No dia seguinte, pela primeira vez na carreira, o baixista Luiz Domingues foi reconhecido por um fã na rua. Um moço o pediu autógrafo no metro Tatuapé. E o programa só iria ao ar no sábado! Aquele havia sido o maior público da banda até então.
No sábado,16, o power trio se reuniu na casa de Rubens Gióia para primeiro se ouvir na Rádio Cultura AM (entrevista mais execução de "18 Horas") para depois ter se ver na televisão. Uma anedota é que uns dias depois, o baixista Luiz Domingues encontrou com seu pai - então relutante à carreira escolhida de músico - que lhe aconselhou a não fazer tantas caretas assim quando tocasse na televisão!
"Bem, realmente olhando o vídeo, acho que exagerei um pouco, mas...eu tinha 23 anos de idade, vinha de uma luta de 7 anos para chegar num momento daquele, e sentindo a banda explodindo, e com o público respondendo, empolguei-me, naturalmente...".
LUIZ DOMINGUES.
Pouco depois a banda foi contatada pela TV Cultura informando que muitas cartas estavam chegando perguntando, querendo saber mais d' A CHAVE DO SOL, pedindo que eles voltassem ao programa. E eles logo voltariam de uma maneira inusitada: num rápido anúncio às vésperas de um show que o conjunto fez no no bar "Espaço Aberto", no chique bairro de Pinheiros (à época sem muita tradição em casas noturnas, acredite), em seis de setembro. Era um dia de semana num bar sem laços com o Rock'n'Roll e lá estavam mais de 100 cabeludos e rockers esperando pela A CHAVE DO SOL. Muito infelizmente, o bar cobrava um cachet salgado e metade desse público dispersou frustrado sem poder assistir ao espetáculo.
À partir de então, até julho do ano seguinte, o baixista Luiz Domingues voltou a fazer parte do LÍNGUA DE TRAPO (como será explorado no capítulo posterior) e após uma "decepção quanto a escolha de gravadoras", A CHAVE DO SOL voltou ao Fábrica do Som para participar de uma data especial comemorando a aniversário de JIMI HENDRIX (que se estivesse vivo completaria então 41 anos).
Assim, em 27 de setembro de 1983, a banda voltou mais confiante para o teatro do Sesc Pompeia, ainda que esse estivesse (ainda) mais cheio! Para começar, os meninos levaram o Jazz-Rock instrumental "Atila", com bateria e baixo super ousados. Agitando o mais frenético que podia, Luiz espantou-se com a expressão de espanto de João Dinola, irmão do baterista José; após vários shows para menos de 100 pessoas, ver o grupo na TV com um teatro lotado o fez crer que A CHAVE DO SOL ia estourar, não havia dúvidas! Todavia...
A segunda faixa executada foi "Dança das Sombras". Esse tema, com mais de oito minutos, começava num funk setentista puxado pela bateria para se converter num Jazz com muita liberdade de improviso e convenções estrategicamente coladas. E a adrenalina à mil por hora fez bem aos improvisos e acrescentaram ondas de ovações da platéia a cada malabarismo hendrixiano de Rubens Gióia. Ressaltamos que dessa vez, Zé Luis tocou com a bateria Gope da produção. Se você reparar nos vídeos, somente na primeira apresentação o músico pode usar sua própria bateria.
A ideia era só tocar essas duas músicas mesmo, dado a duração inusitada das mesmas. Todavia, por um artista ter faltado, a produção pediu que A CHAVE DO SOL tocasse em uma jam session com outra banda que estava se apresentando naquela noite, o ARARA DE NEON; um conjunto de Reggae - pop! Ficou acertada que a música seria "Johnny B. Good" do CHUCK BERRY. Com harmonia 'quadrada' de três acordes, era menos improvável que alguém errasse por não ensaiar o número antes! Zé Luis ficou na bateria, com o batera do Arara na percussão, Luiz ficou nas escalas de Rock no baixo e baixista do Arara fazendo frases soltas, com Rubens e o outro guitarrista combinando rodízio de solos. Ideias furadas e inusitadas que só os produtores de TV tem.... e que vão ao ar! Não que tenha sido um desastre, mas para ambas as bandas teria sido melhor televisionar um registro próprio.
A gravação dessa jam existe, mas Luiz Domingues ainda não a disponibilizou.
"O lado bom de ter participado disso, foi que ganhamos mais alguns pontos no conceito do pessoal da produção, e aliado ao sucesso evidente que fizéramos de público, tanto ao vivo, quanto telespectadores (muito mais cartas chegaram à TV Cultura, ficamos sabendo), selamos a nossa participação no programa especial de um ano de Fábrica do Som, a ser gravado no mês posterior, novembro de 1983".
LUIZ DOMINGUES.
De volta ao camarim, A CHAVE DO SOL foi novamente entrevista pela Rádio Cultura A.M. com perguntas similares. Dessa vez, contudo, o a gravação do disco já era mais certa.... mas só ocorreria no próximo ano.
Após a festa de um ano da banda, o festival Fico e a primeira apresentação em Atibaia, A CHAVE DO SOL regressou ao programa em sua festa de primeiro aniversário; o que podemos dizer foram três festas comemorativas na sequência! Nessa feita, entretanto, a gravação foi no Circo Mágico - estacionamento do Parque de Exposições do Anhembi e com entrada paga.
Honrados com o convite estava nosso power trio, pois se tratava de uma edição dos "melhores daquele ano". Muito infelizmente, A CHAVE DO SOL foi o número de abertura, mas a pedido deles próprios, pois como dividiam o baixista com o LÍNGUA DE TRAPO, o Domingues tinha de correr para cumprir o outro show no mesmo dia, esse no Teatro TUCA, em Perdizes, Zona Oeste. O único outro grupo que eles viram foi o PREMEDITANDO O BREQUE.
Ao contrário da participação anterior, dessa vez a banda atacou com dois temas cantados. O primeiro, que foi ao ar, foi "Luz". Ele foi escolhido pela certeza de que entraria no disco que a ser lançado. Como nota cômica, durante essa música, o baixista Luiz Domingues deu tropeço enquanto agitava para soltar o cabo de instrumento, que havia prendido em sua perna. Você consegue identificar esse momento no vídeo?
O próximo som apresentado permanece inédito de tudo até hoje. Se chama "Reflexões Desconexas"; um Hard-Rock com pegada de Jazz-Rock, e nítida influência de MPB setentista, principalmente por conta de um contraponto vocal que o Zé Luiz criou como arranjo, executado por ele e Domingues, mesclando-se ao vocal solo do Rubens.
"'Reflexões Desconexas' era muito complexa; com linha de baixo e bateria bem requintadas; convenções; uma bela melodia "JeffBeckiana" numa das inúmeras intervenções do Rubens; mudanças de ritmo bruscas; e essa parte mezzo-MPB, que causava uma deliciosa estranheza aos ouvidos de Rockers mais radicais". LUIZ DOMINGUES.
Uma outra anedota se passou, adivinhem, com Luiz Domingues. Em meio à performance incandescida do Homem-Baixo, ele bateu a mão (headstock) do instrumento em algum lugar, desafinando as cordas Ré (D) e Sól (G). O músico ainda tentou afiná-las no meio da música, sem conseguir e ainda perdeu um pouco a concentração e o tempo. 99% do público não percebeu e nem os músicos saíram cabisbaixos, mas um pouco chateados.
"Salvo a minha pressa, e essa falha em "Reflexões Desconexas", foi mais uma boa apresentação na Fábrica do Som, o que só reforçava a ideia que os tempos de anonimato para A CHAVE DO SOL certamente haviam ficado para trás, e dessa maneira, vivíamos uma nova etapa, desde quando nos apresentamos na Fábrica do Som, em julho daquele mesmo ano, pela primeira vez".LUIZ DOMINGUES.
A QUARTA APRESENTAÇÃO.
Considerada a apresentação mais comedida das seis, tanto em termos técnicos como de recepcidade do público, os "gatinhos" da Chave do Sol (como são chamados no começo do vídeo acima), tiveram uma performance honesta. Nesses vídeos, vemos Rubens Gióia com o cabelo bem mais curto que o normal. Acontece que ele havia sido padrinho de casamento de sua irmã mais velha, a Roseli; que não aceitou um cabeludão chegando na igreja, mesmo que fosse de rabo de cavalo!
Um outro ponto a ser mencionado é que Zé Luis usaria uma camiseta com o logo da banda, vamos explicar isso no capítulo seguinte, mas a mesma não ficou pronta para esse show. Dessa vez sem entrevista.
A QUINTA APRESENTAÇÃO.
Essa foi a mais inusitada de todas, e inesperada, acontecendo para evitar briga! Há bem da verdade, A CHAVE DO SOL estava agendada para se apresentar no programa dia 26 de junho. Mas, a produção os convidou para pintar lá uma semana antes só ver e curtir a gravação do programa. Lá chegando, nosso trio foi encaminhado para sentar no mezanino.
O pessoal que veio para o show via A CHAVE DO SOL sentada lá, aplaudia, comentava com os amigos, rolava aquele burburinho, de banda que está "estourada no underground"; mesmo que o disco ainda não tivesse sido lançado. Então, eis que começa um bate-boca entre produtores do programa e técnicos da TV Cultura, que leva os técnicos de som a começar a desmontar o P.A. e o palco.
"Durante o soundcheck, no período da tarde, um músico de uma banda, "bateu boca" com um câmera man da TV. A discussão acalorou-se, e chegou às vias de fato. Em meio à pancadaria, alguém pegou um pedestal de microfone para utilizá-lo como arma, e o quebrou, causando a revolta dos responsáveis pelo PA., que também entraram na confusão.Mesmo com a turma do deixa disso separando os brigões, o clima azedou, naturalmente. Até aquele instante, os produtores do programa tentavam convencer os turrões a relevarem, e filmarem normalmente o programa. Contudo, os técnicos do P.A.se solidarizaram com os da TV, e todos se recusaram a trabalhar (...) Foi quando um produtor da TV Cultura nos abordou, e nos pediu para fazermos um micro show relâmpago, pois eles temiam que o público se revoltasse com o cancelamento das filmagens do programa naquela noite, e iniciasse um quebra-quebra".
LUIZ DOMINGUES.
Então o apresentador Tadeu Jungle explicou à platéia que A CHAVE DO SOL faria um show surpresa para eles, mas que seria sem P.A, sem bateria amplificada, que eles entendessem e tal. Ninguém entendeu bem o que ele queria dizer, mas todos concordaram em esperar Zé Luis e Rubens irem buscar os amplificadores e instrumentos.
Tão logo a dupla voltou, o trio montou tudo lá mesmo. Dado o caráter emergencial da coisa toda - como sem PA, retorno, mesa de som etc, a qualidade sonora para um teatro com 1mil pessoas gritantes parecesse um rádinho de bicicletária - parte do público pode sentar no palco para ver a banda tocar. E eles tocaram por 45 minutos. Quem estava bem perto ao palco se divertiu até, mas a maioria do povo foi dispersando e indo embora durante a apresentação.
A SEXTA APRESENTAÇÃO.
Já na condição de preferidos do professor, em 26 de junho A CHAVE DO SOL para então a derradeira apresentação no programa. E melhor de tudo, o registro de estreia chegara da fábrica, especialmente para ser lançado na Fábrica do som.
O grupo já chegou atacando com "Luz". Ao final da mesma, um esbaforido e cansado Luiz Domingues começou a dar seus recados, explicando que aquele era um trabalho autoral de uma banda independente, a que a distribuição do disco era precária, que o mesmo só estava à venda na loja Baratos Afins, ou pelo correio.
Nota na Folha de SP indicando o show. |
"Os dois garotos que quase arrancaram-no de minhas mãos, saíram resmungando, e numa fração de segundos cheguei a pensar no quanto o artista passa de uma situação de veneração à de repúdio, num piscar de olhos... Num impulso, ainda fui ao microfone e exclamei : "Foi Deus que quis assim", referindo-me ao fato do compacto ter ficado quase no teto, portanto perdido".LUIZ DOMINGUES.
Sem perder mais tempo, A CHAVE DO SOL apresentou o próximo som, uma novidade aliás, chamada "Anjo Rebelde". Após tocarem a mesma e se despedirem, a banda foi abordada no camarim por um rapaz com o disco que havia ficado preso no teto em mãos e pedindo um autógrafo. Como ele conseguira a façanha? Ele era bombeiro e estava acostumado a escaladas!!!